Um tema sempre pode ser visto de variadas formas, dependendo do observador. Nesses
quatro formatos apresentados (uma música, um conceito físico, um decreto-lei e uma tela) um mesmo tema é apresentado, o Trabalho.
O trabalho, como considerado por muitos, é um elemento que define o homem. Assim, é natural que cada um o veja de formas diferentes, dessa forma pode-se expandir o entendimento do assunto derivado de diversas interpretações individuais.
Por exemplo, temos o decreto-lei, um texto de caráter jurídico, ou seja, que visa a regulamentar uma certa atividade, no caso o direito ao salário mínimo. Como texto jurídico, é caracterizado por conter uma série de normas, sem haver a preocupação acerca da corretude do seu conteúdo. Particularmente, não considero este tipo de leitura agradável, e achei a leitura enfadonha.
Outro ponto de vista é dado pelo conceito físico de trabalho, ou seja, a medida de energia gerada pela aplicação de uma força em uma particular trajetória. Em uma descrição de uma entidade física é comum um posicionamento mais distante e frio, característico de descrições deste tipo de conceitos. A leitura é de tal forma direta e assim mesmo, cansativa, principalmente em uma atitude passiva, sem que o leitor exercite o conceito que está tendo contato. Provavelmente, das quatro leituras que foram apresentadas, a que mais se aproxima da abordagem da minha área de atuação seja essa, devido ao fato de computação ser uma das ciências exatas e da engenharia ter muitos pontos em comum com a física.
Uma das formas de expressão mais antigas da humanidade, certamente a pintura sempre tem a acrescentar a qualquer assunto. Nessa obra apresentada, Portinari nos mostra uma face do trabalho, como ele era no Brasil colonial, com escravos participando da colheita do café. Sua visão é tocante, pois na mesma cena em que escravos se esforçam quase até sua exaustão em troca de um simples prato de comida (muitas vezes insuficiente), um capataz os obriga a ir além de seus limites. Os escravos nessa tela não são considerados homens, e uma leitura semelhante pode ser feita da música de Chico Buarque, Construção.
A música Construção narra um dia na vida de um trabalhador da
construção civil Subiu a construção como se fosse máquina
,
pai de família Beijou sua mulher como se fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único
que em um dia de trabalho, em seu
horário de almoço Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
bebe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
e
cai de uma construção alta E tropeçou no céu como se fosse um bêbado / E flutuou no ar como se fosse um pássaro / E se acabou no chão feito um pacote flácido
.
O que chama a atenção é a estrutura utilizada, com muitas repetições, remete à rotina pela qual esse trabalhador vivia, sendo esse era o único meio de conseguir o sustento de sua família e o seu, e o que o levou à morte.
Porém os trechos de maior emoção certamente é a associação do homem e do operário. Enquanto no verso 'Seus olhos embotados de cimento e lágrima' temos a ligação da frieza do cimento com a emotividade das lágrimas, temos o operário sendo um homem, com toda a complexidade associada a esse estado, no verso 'Morreu na contramão atrapalhando o tráfego' temos uma perda da humanidade, pois para o público aquele que agoniza no chão deixa de ser um ser humano para se tornar tão somente um obstáculo no trânsito. Ou seja, não importava o que aquele homem significava para sua esposa e para seus filhos, para a sociedade ele era somente uma peça, e plenamente substituível.
De todas as leituras, certamente a que mais me chamou atenção e tocou foi a música Construção, por mostrar, de maneira tão atual, o quanto a sociedade banaliza a vida humana, e não somente no sentido óbvio decorrente da violência urbana, mas também na perda de associação fraterna entre cada membro desta, como por exemplo entre um transeunte e um operário, brilhantemente mencionado no verso 'Morreu na contramão atrapalhando o sábado'.